As livrarias brasileiras, o mercado editorial e o Poder Público

Gurbanov: ‘sem apoio efetivo de políticas de Estado, o comércio varejista de livros deve reivindicar seu lugar também como espaço de mediação no processo de estímulo ao hábito da leitura’

O mercado editorial brasileiro ainda tem no Poder Público seu principal cliente. No entanto, são apenas algumas editoras as que se beneficiam da política de compra de livros por parte do governo federal, dos governos estaduais e dos municípios. Em 2015, segundo estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e para o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), o setor editorial brasileiro vendeu 389,27 milhões de exemplares, dos quais 134,59 milhões foram vendas governamentais, ou seja, 34,5% de todos os exemplares vendidos.

A livraria, principal canal de vendas ao consumidor segundo a mesma pesquisa, está excluída deste processo. Sem apoio efetivo de políticas de Estado, o comércio varejista de livros deve reivindicar seu lugar também como espaço de mediação no processo de estímulo ao hábito da leitura. Ao mesmo tempo, deve defender seu legítimo direito ao lucro, entendido como a remuneração do trabalho na comercialização do livro.

A Associação Nacional de Livrarias (ANL) entende que reposicionar o livreiro no mapa institucional do setor é de fundamental importância e procura os melhores caminhos de inserção que lhe permitam dialogar em pé de igualdade tanto com o Poder Público como com as demais entidades de classe nas áreas da produção, comercialização e mediação da leitura.

Outra questão de significativa importância para o nosso mercado é o fenômeno da hiperconcentração, um processo econômico global que afeta todos os setores comercias e de serviços, não apenas o do comércio do livro. Haja vista a situação do sistema financeiro internacional, das companhias aéreas, sem esquecer o setor de comunicações. No mundo do livro não é, nem será diferente.

O processo de hiperconcentração é, no momento, avassalador e reduzirá a cada dia que passa o número de atores no mercado. Só se alcança a escala suficiente diante da redução de margens de lucro simplificando a infraestrutura, diminuindo os recursos humanos, agregando valor ao produto e aumentando exponencialmente o faturamento. Arriscamos dizer que é condição sine qua non para a sobrevivência das grandes corporações.

Lidar com este processo não é fácil, mas entendemos que, em primeiro lugar, não deve ser percebido como uma conspiração. Trata-se de um ciclo da economia mundial que necessariamente continuará passando por mudanças e adequações. Nossa tarefa é estar de prontidão, não perder o foco e a segmentação do negócio e estarmos atentos às oportunidades que toda crise oferece para ativarmos nossas ações.

A hiperconcentração, assim como o avanço das novas tecnologias, modela uma mudança significativa no hábito de consumo. Além do geométrico e salutar aumento do comércio on-line, criou-se a ilusão de poder conseguir tudo num único lugar e ao alcance de um clique. Na área de alimentação, por exemplo, ocorreu o mesmo fenômeno. Porém, os próprios controladores do setor de comercialização, há algum tempo, começaram a abrir pontos de vendas menores e nos bairros, capilarizando assim a sua chegada ao consumidor.

Independentemente da necessária e significativa continuidade das compras oficiais destinadas a abastecer tanto as bibliotecas como a fornecer livros para os alunos do sistema público, o mercado do livro necessita, sim, de um mínimo de regulação legal para o setor, de modo que efetivamente possamos acabar com a concorrência predatória e com a imoralidade que leva o livreiro a perder seu cliente para seu próprio fornecedor.

A Lei do Preço Fixo (PL 49 / 2015), se aprovada, não irá sozinha garantir a sobrevivência das livrarias físicas no Brasil. Como estratégia de sobrevivência, as pequenas, médias e até as grandes redes de livrarias têm de investir na sua criatividade, sua habilidade para detectar as necessidades do cliente e na rápida tomada de decisões que lhes permitirão se adaptar às novas demandas.

A livraria, qualquer que seja seu tamanho, tem um papel como gestor de um processo civilizatório. Pode fortalecer sua ação participando nas entidades de classe para defender em conjunto os seus interesses, ampliando seu campo de percepção da realidade que vai muito além do balcão de atendimento. O livreiro pode e deve trocar experiências com seus pares nacionais e internacionais. Cabe ao Poder Público executar com eficiência suas funções básicas, dentre elas a educação e a promoção da leitura, e entender que a livraria cumpre um papel neurotransmissor dentro do sistema construtor de cidadania e precisa ser contemplada nas políticas de Estado.

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