La saga de los libreros Gurbanov en Argentina

Em 2016, livraria da família do atual presidente da ANL completa 50 anos

Buenos Aires, 1977. Um casal é perseguido pela polícia em plena ditadura militar e se vê obrigado a correr para o Brasil. Nessa época, pessoas desapareciam como fumaça na paisagem de uma Buenos Aires sitiada por militares do “Processo de Reorganização Nacional”, como eles mesmos autodenominaram o período que seguiu até 1983. De barco, foram para Montevideo e de lá pegaram um avião para São Paulo, onde chegaram sem grandes perspectivas. Ele tornou-se um militante das causas do livro no Brasil. Estamos falando de Bernardo Gurbanov, atual presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL)

Se no ano que vem, Gurbanov completa 40 de Brasil, nesse ano, a livraria da sua família na Argentina completa 50 anos. A Dante Alighieri, localizada em San Martin, na região metropolitana de Buenos Aires, foi fundada por seu pai, Alberto (ou Tito ou simplesmente Senhor Dante), e permanece no mesmo endereço desde então.

Hoje é administrada por Miriam Gurbanov, irmã mais nova de Bernardo, com quem o PublishNews esteve em Buenos Aires, durante as Jornadas Profissionais da Feira do Livro de Buenos Aires. “Vivemos todos os momentos econômicos e políticos da Argentina nos últimos anos e sobrevivemos”, disse orgulhosa, mas lamenta que “a saga dos Gurbanov” pode estar próxima de seu fim. “A saga da família acaba comigo”, disse resignada a livreira que não tem filhos e o irmão não tem planos de retornar a Buenos Aires.

A primeira venda da livraria Dante Alighieri: um exemplar de ‘Veinte poemas de amor y una cancion desesperada’, de Pablo Neruda | © Acervo da Família

 

Tudo começou assim…
“Há uma anedota – não posso provar se foi ou não verdadeira, mas é o que dizem… – que diz que meu pai recebeu um dinheiro. Chegou para minha mãe e perguntou o que ela pensava em fazer com ele. Ela disse que queria uma livraria. Compraram a loja e montaram a livraria”, resume Bernardo o começo da saga. O primeiro livro vendido foi Veinte poemas de amor y una cancion desesperada, de Pablo Neruda. Nos primeiros anos de existência, a livraria – logo apelidada de La Dante – realizou concursos literários, campeonatos de xadrez (senhor Dante era um enxadrista de mão cheia) e todo tipo de movimentação cultural.

La Dante nasceu também durante uma ditadura militar – essa mais leve, menos presente na vida dos portenhos como foi a que expulsou Gurbanov de seu país natal. “Livros proibidos, nessa época, tinham que ser tirados de exposição. Na ditadura militar que vigorou de 1976 até 1983, os livros precisavam ser picados”, relembra Gurbanov. Nesse período, o senhor Dante participou da criação da editora Caldén, editora com tendências à esquerda que publicou o primeiro livro do poeta Juan Gelman, vencedor do Prêmio Cervantes, morto em 2014 e tio da editora brasileira Alessandra J. Gelman Ruiz (Sextante).

Lá e cá

Miriam, ao contrário do irmão, não milita diretamente na causa do livro. No entanto, os discursos dos dois se assemelham muito, mostrando que o mercado livreiro lá e aqui sofrem, muitas vezes, dos mesmos males. Quando questionada sobre a atual realidade do mercado argentino, Miriam endurece o discurso e diz: “é um trabalho muito ingrato. É uma briga muito desigual. O livro tem que ser vendido nas livrarias”. A livreira estima que 50% do seu faturamento é apurado nas voltas às aulas, mas ela vê essa participação se correndo ano a ano, devido às vendas diretas das editoras em escolas. Mas, e o preço fixo vigente na Argentina e apontado por alguns entes do mercado como a salvação para as pequenas e médias livrarias no Brasil? “Funcionaria bem se fosse respeitada. Nosso maior competidor hoje é o nosso próprio fornecedor. É muito difícil sustentar um negócio em equilíbrio frente essa política de vendas diretas. Estamos cada vez mais fora da cadeia”, disse.

Miriam evoca o exemplo da indústria farmacêutica (em sua posse na ANL Gurbanov também usou esse exemplo). “A cadeia de comercialização do livro é quase igual à dos medicamentos. No entanto, a Lei dos Medicamentos é respeitada à risca. Nenhum laboratório se arrisca a fazer uma venda direta de remédios aqui na Argentina. O livro tem o mesmo sistema de comercialização. A diferença é que as livrarias não têm o mesmo respeito da indústria”, pontuou.

Hoje, Miriam se divide entre a livraria deixada pela família e a dança. É professora de balé. Viver se equilibrando na ponta do pé – ou na corda bamba – parece ser uma especialidade da atual señora Dante.

Da esquerda para a direita, Raquel Gurbanov ao lado da filha Miriam Gurbanov, do sobrinho Carlos Gurbanov e do filho Bernardo Gurbanov | © Acervo da Família

 

Inauguração da livraria Dante Alighieri, em 1966 | © Acervo da Família

 

Família Gurbanov, de esquerda para a direita: Bernardo, Alberto (Tito), Raquel e Miriam | © Acervo da família

 

Marcador de páginas em cobre dado aos clientes da livraria Dante Alighieri | © Acervo da Família

 

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