Mortos e feridos

Em sua coluna, Bernardo Gurbanov faz uma reflexão sobre o processo de ‘hiperconcentração’ do mercado editorial mundial

Bem que meu professor de contabilidade advertia, apesar das nossas risadas e deboches: o capital não tem nacionalidade!!

Já se passaram 50 anos e devo admitir que não estávamos preparados para entender tão polêmica afirmação.

Só com o avanço da globalização e da nossa paulatina percepção é que a frase começou a fazer sentido.

Eis que o tempo não para, não é mesmo Cazuza? A evolução da tecnologia também não.

Poucos, nas duas últimas décadas do Século XX embaixo da linha do Equador, conseguiram vislumbrar o alcance das mudanças que começavam a tomar corpo.

Corpo de corporações. Corpos tentaculares, espetaculares, particulares. Vide os conglomerados que atualmente dominam a cena da indústria editorial.

Na segunda década do Século XXI, cinco, somente cinco grupos editoriais são responsáveis por 50% da produção de livros no mundo.

No âmbito local, cinco, somente cinco empresas, sendo três do mesmo grupo, faturam mais de 80% das compras do PNLD e uma, somente uma detém 25% de participação no setor de livrarias.

Lá vem ele de novo com a ladainha da hiperconcentração.

Sim.

E no Brasil, o que será, que será… que podemos esperar para, digamos, os próximos três anos? Me diga, por favor seu Chico Buarque.

Óbvio, o final da década.

Que mais? Mais do mesmo.

Explico, mesmo não sendo meu nome nem Freud nem Google, muito menos Enéas.

Com mais do mesmo quero dizer, mais concentração de capitais, mais fluxo de investimentos estrangeiros e em contrapartida, mais micro e médios empreendimentos.

Mas como, seu professor não afirmava que o capital não tem nacionalidade.? Que história é essa de investimentos estrangeiros?

Pois é, leitor. Quem sabe, leitores.

O capital tem os sentidos afiados e vai onde tiver que ir para saciar suas necessidades básicas, dentre elas o lucro que, diga-se de passagem, não é pecado segundo os dez mandamentos do capitalismo.

O Brasil seduz pelo tamanho do seu mercado, não pelo seu documento.

O Brasil, mesmo atravessando uma crise sem precedentes, continua oferecendo boas possibilidades de investimento de longo prazo.

Ficam no caminho mortos e feridos no embate entre concentração e fragmentação.

Outros corpos e corporações preenchem esses vazios.

De novo o capital desta vez aliado à sabedoria popular: o capital não desaparece, só muda de mãos. A cada dia menos mãos.

Em quanto algumas editoras, distribuidoras e livrarias colapsam, outras emergem e até se fortalecem.

Um cenário com menos atores nos espera, lamento.

Uma plateia com mais leitores nos espera, espero, caso as políticas públicas alcancem a tão mentada educação de qualidade.

Leitores de leituras fragmentadas, sim. Leituras multiplataforma em um mundo no qual a palavra editor não necessariamente estará associada somente ao papel.

E as livrarias?

Não me surpreenderia testemunhar o início de um processo de verticalização, isto é, do autor ao leitor, as editoras melhor posicionadas e os grupos multinacionais terão seus próprios pontos físicos comercializando livros até dos concorrentes, assim como já utilizam os canais online, redes sociais e participam em feiras do livro e festivais literários.

Que tal dar uma espiada na Gallimard na França e na Feltrinelli na Itália? Quem sabe encontramos uma pista para resolver este enigma.

Quanto ao vendedor de livros, seja em lojas de shopping ou de rua ou ainda fazendo parte dos exércitos invisíveis que vendem porta a porta país afora, o constante aprimoramento nas técnicas de venda e na formação enciclopedista continuam essenciais para alcançar o sucesso profissional ou pelo menos a sobrevivência.

O universo leitor em expansão agradece.

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