Em Cuba, quase nenhum livro morre virgem

Cuba teve um incontestável sucesso na formação de um país de leitores. Agora não pode perder a oportunidade de promover sua revolução em matéria de acesso às novas tecnologias de comunicação, de infor

Superada a sensação inicial de ter aterrissado nos anos 1950, a surpresa, esse elemento vital na literatura de ficção, se apresenta da forma mais inesperada. Pasmem, a Feira internacional do livro de Havana cobra ingresso. Os visitantes pagam 3 pesos, equivalentes a 13 centavos de Dólar ou 50 centavos de Real. Preço simbólico? Não se consideramos que o salário médio mensal na ilha é de US$ 20 ou R$ 80.

De 12 a 21 de fevereiro algo em torno de 230 mil cubanos pagarão para ter acesso ao evento cultural mais importante do ano

A Fortaleza de San Carlos de la Cabaña acolhe multidões para ouvir autores e comprar centenas de milhares de livros cujos preços ao público raramente passam de US$ 1.

Para percorrer a feira o visitante precisa serpentear entre as infinitas salas internas de uma monumental estrutura de pedra construída no Século XVIII com o objetivo de defender os tesouros que os galeões espanhóis tentavam transportar até a Península Ibérica a partir deste entreposto marítimo ameaçado por vorazes e incansáveis piratas.

Feira do Livro de Cuba acontece na Fortaleza de San Carlos de la Cabaña, monumental estrutura de pedra construída no Século XVIII | © Bernardo Gurbanov

 

Tal como ocorre em dezenas de feiras internacionais de livros, os jovens dominam a paisagem. Tribos com suas roupas estridentes, penteados antenados com a moda atual mundo afora, olhares efervescentes de adolescentes que fazem da fortaleza seu ponto de encontro.

Sem youtubers, nova febre do mundo editorial capitalista, simplesmente porque, no País de Fidel Castro, o acesso à internet é extremamente limitado e “Banda Larga” está mais para nome de grupo musical do que para uma realidade da comunicação do Século XXI.

Aliás, um povo que se autodefine como alegre, religioso, lutador e revolucionário poderia passar por mais uma revolução, a da tecnologia da informação e da comunicação.

As próprias autoridades reconhecem que perante as vitórias obtidas nas áreas de educação, saúde e investigação científica, tem ainda a dívida social de encontrar um caminho rumo ao acesso das novas tecnologias, tímido demais até o momento.

O parque gráfico data dos anos 1980. Impressão sob demanda? Uma utopia por enquanto. A tiragem mínima de um livro em Cuba é de mil exemplares.

Diante das limitações orçamentárias, o Estado reduziu os subsídios outorgados às editoras que já não podem publicar sem se preocupar se o livro vai vender ou não.

Precisam agora desenvolver uma administração auto-sustentável, escolher cuidadosamente as obras a publicar, de acordo com os interesses e demandas tanto do público leitor como do Estado. Detalhe: precisam vender. Sim, vender. Mesmo que sem fins lucrativos, devem mapear sua clientela, seus hábitos e preferencias e fazer o livro circular entre os leitores.

Zuleica Romay Guerra, diretora do Instituto Cubano do Livro, cunhou uma frase muito feliz: “em Cuba quase nenhum livro morre virgem”.

Alguém o compra e caso não o leia, o repassa pra frente até o livro encontrar o(s) seu(s) leitor(es).

A escolaridade média na terra do Daiquiri é de dez anos. Alguns afirmam que é de 13 anos. Dez por cento da população tem um ou mais títulos universitários. Vinte por cento dos diplomados falam mais de um idioma, mas, diante das questões orçamentárias, os livros são atualmente publicados somente em espanhol.

O estado começou a estimular a concorrência entre as editoras e chegam a conceder a algumas delas a operação de livrarias, também monopólio do Poder Público, desde que exponham o selo próprio e de outras casas editoriais.

Cuba teve um incontestável sucesso na formação de um país de leitores. Agora que sopram ventos de distensão e possível levantamento do embargo econômico imposto pelos EUA, não pode perder a oportunidade de promover sua revolução em matéria de acesso às novas tecnologias de comunicação, de informação e de produção intelectual.

Quanto ao Brasil, está na hora de ficar em estado de alerta e “apontar os seus mísseis” também para o Caribe. O projeto Brazilian Publishers da Câmara Brasileira do Livro em parceria com Apex tem as armas adequadas para promover o autor brasileiro na região e ativar seus radares para detectar autores e ilustradores que transbordam da maior ilha dos trópicos.

Texto: Bernardo Gurbanov

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