Carta aberta ao mercado editorial e livreiro

Logo depois de sua posse como presidente da ANL, Bernardo Gurbanov escreve carta aberta ao mercado propondo debate que permita apresentar à sociedade uma postura do setor frente aos tempos de mudança.

A persistência e a vocação de serviço em torno das causas do setor editorial e livreiro tem me conduzido ao longo dos anos, a ocupar diversos cargos em entidades de classe nacionais e internacionais.

Vice-presidente administrativo e financeiro da Câmara Brasileira do Livro (CBL), tesoureiro do Instituto Pró-Livro, primeiro vice-presidente do Grupo Ibero-Americano de Editores (GIE), membro titular do Colegiado Nacional do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do MinC e suplente na Comissão Executiva do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), Conselheiro fiscal da Associação Nacional de Livrarias (ANL) e atualmente presidente da casa.

Assumimos a ANL com a firme vontade de superar uma crise, que deve ser encarada como o significado grego da palavra indica: momento de decisão.

Para atingirmos esses novos patamares é imprescindível a realização de um profundo debate de ideias, que nos permita apresentar à sociedade uma postura a cada dia mais antenada como os tempos de mudança que vivemos, tanto no campo das novas tecnologias como na reorganização da cadeia produtiva que estas determinam.

A década iniciada em 2010 foi paulatinamente nos apresentando uma mudança radical nos hábitos de consumo da população.

Ao mesmo tempo em que cada dia mais setores da sociedade têm acesso aos bens de consumo e realizam suas compras se servindo das facilidades do mundo virtual, a crise financeira está mostrando sua cara no Brasil, com um profundo impacto na capacidade produtiva do país, e no que particularmente tange ao setor editorial e livreiro. Esse cenário tem provocando uma espécie de efeito dominó que traz como consequência o fechamento de inúmeras livrarias, elo mais frágil do nosso sistema de comercialização.

Em paralelo, assistimos o fenômeno da hiper-concentração tanto na produção como na comercialização de livros, fenômeno este, produto de ciclos e políticas macroeconômicas globais.

Embora este movimento não signifique uma conspiração deliberada contra nosso setor, fica a cada dia mais evidente que se não conseguirmos um mínimo de regulação nas práticas comerciais promíscuas, estaremos em breve diante de um cenário setorial com pouquíssimos atores.

Acredito haver uma coincidência de percepções no sentido de que as nossas entidades de classe precisam avançar politicamente. Precisamos compartilhar a liderança, tornarmos realidade a instauração de leis, regulações e ações efetivas que viabilizem a sobrevivência do setor, majoritariamente composto por pequenas e médias empresas familiares.

Precisamos deixar claro tanto ao Poder Público como a sociedade civil que é necessário agir de imediato de forma articulada, sistêmica e conjunta.

Que se bem é necessário modernizar a legislação relativa ao direito de autor, não podemos ceder aos argumentos de certos setores do Poder Público e da sociedade civil que ainda reivindicam o livre acesso aos conteúdos on-line protegidos por direitos autorais e até defendem a pirataria.

Ações que propiciem a melhor chegada do livro aos 5570 municípios brasileiros, que diga-se de passagem, nem 20% dos mesmos contam com a presença de livrarias.

A exemplo de outros países, precisamos de ações de estímulo e fortalecimento da nossa atividade, como por exemplo a isenção de IPTU para propriedades onde funcionam livrarias e a sua inclusão nos roteiros culturais das cidades.

Precisamos ativar o processo de aprovação da Lei do Preço Fixo e encontrar mecanismos que evitem a concorrência desleal e portanto predatória, que tanto mal tem causado nos últimos anos.

Insinua-se que o leitor é o beneficiado com esse tipo de concorrência. Mera ilusão, porque, uma vez assegurada a “terra arrasada”, os poucos players sobreviventes que controlarão 80% do mercado irão impor seus desejos, obrigando fornecedores e consumidores a simplesmente “pegar ou largar”, sem direitos nem opções.

São tempos de aprofundar a nossa presença institucional, tempos de ações concretas pois urgem soluções.

A livraria não pode ter como concorrente, seus próprios fornecedores. Este fato incontestável precisa ser debatido intra e entre as associações representativas do setor.

Devemos resaltar os casos de editoras e distribuidoras que respeitam e valorizam o trabalho do livreiro.

O país precisa ampliar sua base de leitores e o setor precisa deles, já que sem leitores não temos consumidores.

Dizer nossas verdades de forma didática, serena e equilibrada não será nenhuma afronta diante das autoridades.

O setor vive um momento de profundas mudanças e um número considerável de empresas tradicionais estão ficando no meio do caminho.

Ou nos pronunciamos e agimos sempre trabalhando com senso de realidade ou pagaremos um preço alto demais, para um setor que já se encontra ameaçado de extinção.

As feiras de livros são uma das diversas formas de chegar até o público leitor num mercado carente de livrarias e de propiciar a criação de um âmbito de estimulo à leitura, mas como viabilizar a participação das livrarias locais diante do alto custo do metro quadrado? Uma possibilidade são as parcerias editor-livreiro nas quais cada um cumpra com sua função específica. O editor publica e a livraria vende ao consumidor final.

Mirem-se no exemplo da indústria farmacêutica. Ela investe em pesquisa, produção, atualização permanente da informação junto aos médicos, treinamentos de balconistas.

As drogarias e farmácias comercializam os remédios diretamente ao público.

Esse setor não eliminou a concorrência. As redes se multiplicaram principalmente nas grandes concentrações urbanas, porem é fato que o país tem cinco vezes mais farmácias e drogarias do recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e cinco vezes menos livrarias do que recomenda a Unesco.

Dadas as características socioeconômicas do país, torna-se imprescindível o apoio do Poder Público para atingirmos os objetivos que as feiras de livros proporcionam como ponto de encontro do autor e dos livros com o leitor.

Mecanismos que estão ao alcance dos governos, como por exemplo o Vale-livro ou Credileitura tanto para professores como para alunos devem fazer parte desses eventos culturais e comerciais, que comovem as cidades onde se apresentam.

Governos como os do Pará, de Pernambuco e de outros estados tem dado o exemplo, injetando significativos valores nas respectivas feiras, se utilizando de mecanismos relativamente fáceis de implementar.

Sem censuras nem direcionamentos, permitem que tanto professores como alunos tenham acesso ao livro durante o período de realização das feiras, outorgando verbas individualizadas e de livre administração do usuário, desde que sejam utilizadas exclusivamente nos estandes que compõem o evento.

Este mecanismo poderia se extensivo às livrarias locais no pós-feira.

Assim, de forma objetiva e simples, as autoridades podem atingir objetivos de democratização do acesso a um bem cultural como o livro, de avançar na construção da cidadania e contribuir para o sucesso comercial das feiras e das livrarias, imprescindível para sua viabilidade empresarial.

Estes dispositivos devem fazer parte da política de Estado. Devem ser estabelecidos via leis e decretos federais, estaduais e municipais.

O PNLL precisa ser institucionalizado, assim como todas as políticas de estimulo à leitura e aos setores produtivos, criativos e de mediadores de leitura.

Desde 2004, convivemos com idas e vindas dentro da máquina burocrática do estado federal, que não termina de resolver esta questão.

Vivenciamos o dia a dia desse emaranhado de normas, procedimentos e siglas que acabam se convertendo em verdadeiras armadilhas e aí está o resultado. Avanços e retrocessos com efetividade insuficiente que não atingem o objetivo básico de mudar para melhor o panorama geral.

O país continua com índices paupérrimos de leitura, isso sem mencionar o baixíssimo rendimento escolar medido por exames aceitos pela comunidade internacional como o PISA.

É chegada a hora de propor e trabalhar ombro a ombro com o Poder Público para obtermos resultados efetivos.

Não podemos continuar assistindo e dependendo das turbulências políticas. Temos de desbravar as rotas que permitam o avanço nas políticas e a construção de uma vez e para sempre de um país leitor.

Olhar para o mundo e interagir com ele faz parte de uma gestão com visão de futuro.

O Brasil e a literatura brasileira, salvo exceções, ainda não ocupam o espaço que merece no âmbito da produção mundial de conteúdos, sejam eles de literatura adulta, infanto-juvenil, técnico-científicos ou de outras ordens.

Precisamos explorar mais, muito mais nossa presença internacional no âmbito das feiras e seminários mundo afora, propiciando o intercambio de experiências e informação com colegas de outros países.

Precisamos criar cursos específicos de formação de profissionais com status de pós-graduação nas carreiras de Letras, Pedagogia e/ou Biblioteconomia, aprovados pelo MEC.

As convenções de livreiros e jornadas profissionais devem ter o foco na geração de negócios propiciando o encontro de editores, livreiros e distribuidores. Devemos convocar palestrantes nacionais e internacionais que possam iluminar nosso caminho com análises de cenários político-económicos apontando para oportunidades e antecipando mudanças mercadológicas. A hora é de gerar lucro, a hora é de buscar o cliente e se comunicar com ele pelos caminhos mais inusitados. A hora é de estar atento às mútuas necessidades, verdadeiro motor da mudança.

Um país sem remédios não tem saúde. Um país sem livrarias não tem remédio.

Texto: Bernardo Gurbanov

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